Cientistas avaliam descrédito do eleitor e apostam que reforma deveria ser conduzida pela sociedade


Analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste apostam que os protestos, individuais ou coletivos, dão o tom de como deve se comportar o eleitor em 2018
O descontentamento popular com a política institucional faz alguns irem às ruas e outros nem saírem de casa. Recentemente, enquanto jornais e sites de notícias atraíram milhares de olhares nos impressos e nos vídeos em que, em uma rua de Salvador, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), era alvo de uma ovada na cabeça, no dia anterior, tinha sido elevada a abstenção de eleitores no primeiro turno da eleição suplementar para o Governo do Amazonas, repetida na mesma votação, em segundo turno, gerando opiniões diversas sobre posturas que podem indicar uma negação de tal política. Para analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, não se trata, essencialmente, de uma negação, mas alguns apostam que as manifestações, individuais ou coletivas, dão o tom de como deve se comportar o eleitorado em 2018.
No pleito realizado no Amazonas no primeiro domingo de agosto, mais de meio milhão de eleitores – 569.501 no total – não foram às urnas para escolher o novo governador daquele Estado, após os mandatos do ex-governador, José Melo, e do vice, Henrique Oliveira, terem sido cassados por compra de votos nas eleições de 2014. O número, registrado pela Justiça Eleitoral, representa 24,35% do eleitorado amazonense atual. Votos brancos somaram 61.826 (3,49%) e votos nulos, 218.201 (12,33%). Ao todo, foram 1.489.358 (84,17%) sufrágios válidos. 
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), desembargador Yedo Simões, afirmou, após a votação, que o índice de abstenção foi considerado dentro da normalidade, inclusive por ser uma eleição, nas palavras dele, “atípica, exclusiva para Governo do Estado e fora de época”. O desembargador apontou as dificuldades logísticas no Interior do Estado como principais fatores para a ausência de quase um quarto do eleitorado às urnas. Nos comentários das matérias sobre o pleito em veículos de abrangência nacional, porém, alguns eleitores discordaram da normalidade. 
“Não é normal não! Os eleitores (569.501 abstenções +218.201 nulos + 61.826 brancos) é que não aguentam mais tanta enganação”, escreveu um. “Somente 60% do eleitorado Amazonense contribuiu para esse segundo turno. O Amazonense está cansado de tanta sujeira, ingerência e falta de transparência. O pior é que quem ganhar agora, provavelmente se reelege em 2018”, disse outro.
O analista político Jésus Gomes, professor da Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado (Fecap), de São Paulo, porém, lembra que, historicamente, o índice de faltosos nos pleitos do Estado do Amazonas esteve em torno de 20%. Ele ressalta, inclusive, que havia uma expectativa de que a abstenção poderia ser maior do que foi, já que uma eleição solitária, sem a disputa por cargos no Legislativo, teria uma mobilização menor, pela quantidade reduzida de candidatos envolvidos em incursões pelo Estado.
A quantidade de votos brancos e nulos – 15% do total – é que aponta, segundo o analista político, para os impactos eleitorais da crise política. “O recado para os políticos vem sendo dado há bastante tempo. Acho é que eles estão demorando a compreender, porque a política está em descrédito no mundo todo”, observa. Tal negação social reflete, na avaliação de Jésus Gomes, um “descasamento entre a política e a sociedade”. “As pessoas tentam refletir, sobremaneira, por meios de melhorar a política e os políticos tentam melhorar a vida deles”. 
Contudo, Jésus Gomes considera que, no Brasil e em outros países, o momento é de “um grande esforço” para recuperar a credibilidade das instituições. Manifestações de negação da política que prevalece hoje nos espaços de poder institucionalizados, portanto, não significam uma despolitização popular. “Existe essa compreensão por parte de muitos sociólogos, de que o não comparecimento para votar é, na verdade, uma manifestação política. Você está dizendo: ‘não estou nem aí para nenhum de vocês. Vocês não me representam’”.
Negar a política por atitudes extremistas, no entanto, é postura perigosa para a democracia, atesta o professor da Fecap. “A política, apesar de todos os seus problemas, é a forma como nós equacionamos as questões de ordem coletiva. A alternativa à política é a violência, e com a violência todos nós perdemos. Por isso, o desafio de melhorar a qualidade da atividade política é muito forte”, afirma.
O cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), também diz que a abstenção não é um fenômeno problemático, uma vez que demonstra que os indivíduos que vão às urnas estão mais preocupados com a política. “Não vejo com maus olhos, vejo como fenômeno muito normal, muito natural, porque partimos do pressuposto de que, sendo um regime democrático, posso votar ou não votar, apesar de a nossa Constituição estabelecer a obrigatoriedade”, contrapõe. Para ele, “quanto menor a quantidade de pessoas (votantes), maior seria o valor daquele engajamento”.
Episódios como o do ovo arremessado contra João Doria, que se repetem em relação a outros políticos, entretanto, indicam intolerância negativa aos rumos do País. “É ruim. Em uma democracia, você não pode ser intolerante. Ser intolerante é não aceitar a fala do outro, a presença do outro e, por princípio básico da democracia, ainda que seja contrário, a forma de combatê-lo é convencendo o maior número de pessoas que estão se apresentando”, opina. 
O cientista político, porém, não atribui tais protestos a uma polarização política no Brasil. Para ele, houve polarização no País quando a eleição presidencial de 2014 terminou quase empatada entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), por exemplo. Depois disso, aponta, a diferença de expressividade de movimentos, como durante o processo de impeachment da petista, mostra que “acabou a polarização”. 
Jésus Gomes, por outro lado, acredita que situações como a protagonizada por Doria evidenciam um fenômeno de empobrecimento da política, quando, a exemplo do que ocorre entre torcidas de futebol, “você passa a considerar ideias apenas dos grupos pelos quais você torce”. Neste contexto, menciona ele, corrupção será sempre o que o outro faz. O analista político critica, por exemplo, a postura de Doria, que elegeu-se prefeito de São Paulo desvinculando-se da imagem de político, mas hoje, em viagens pelo País, parece mais preocupado em fortalecer possível candidatura presidencial para 2018 do que com o exercício da função. “Acaba assumindo perfil de um político bastante tradicional”, exclama.
A cientista política Joana Coutinho, professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), por sua vez, diz que a tendência é que “os políticos não terão mais sossego”. Segundo ela, serão ovos, vaias e outras manifestações diante do destino que tem sido dado à democracia brasileira, mas, para a cientista política, não há violência em tais ações. 
“A manifestação, isso de jogar ovos, não é nenhuma novidade. Na história, você vai tendo várias manifestações, digamos, de resposta a um descontentamento com essa política oficial. Jogam tomate, jogam ovo. É mais um desabafo, dizendo: ‘olha, não estamos satisfeitos, não queremos isso’”, considera. A manifestação contrária à outorga de um título de cidadania a João Doria, cita ela, não é ato violento. “Violência, para mim, é você acordar morador de rua com jato d’água”, critica, fazendo referência à ação do tucano à frente da Prefeitura de São Paulo.
Neste sentido, então, Joana Coutinho também rejeita a generalização de uma “negação da política”, apontando que as manifestações são consequência de um descrédito em relação a “esse tipo de político”. Afinal, a política, destaca ela, não se restringe aos aspectos “oficiais” ou “eleitorais”. 
“Acho que essa forma de representação, no modelo que nós vivemos, está desgastada, aí é complicado, porque se dermos uma olhada no Congresso e no Judiciário é bastante complicado. Essas formas de representação em que o povo praticamente não participa – ir lá e votar é uma das maneiras, mas não a mais substancial nesse sentido, porque acho que votar é muito importante, faz parte das conquistas principalmente das classes populares, trabalhadores, agora, só a eleição é insuficiente. Essa democracia representativa tem outros problemas. É engraçado, porque há um descrédito, mas ao mesmo tempo você tem toda uma máquina poderosíssima em funcionando nas eleições que faz com que se votem nos candidatos que tenham meios econômicos para isso”, afirma.
Enquanto isso, as reformas em discussão no Congresso, incluindo a política, segundo a professora da UFMA, não sinalizam perspectivas para uma estabilidade que melhore o quadro de lacunas de representação para 2018. “Mudarão a regra do jogo sem consultar a maioria dos jogadores, que é a população. Com toda essa tentativa de transformar o presidencialismo em um parlamentarismo, o povo, que já não decide ou decide muito pouco, decidiria menos ainda”, lamenta.
Ranulfo Paranhos é outro que diz ser “difícil pressupor que o Parlamento, hoje, tenha um comportamento de apaziguar os anseios da sociedade”, assim como Jésus Gomes, que acredita em uma saída para a crise “pela política”, mas defende que uma reforma deveria ser conduzida pela sociedade. “Sou muito cético com relação a uma reforma política feita por esse Congresso, porque o sistema não cria uma coisa que não seja para si mesmo. Nós temos um Congresso de baixíssima qualidade. Preferia que, se fizessem uma reforma, que se convocasse uma reforma com um Congresso específico para fazer uma reforma, com pessoas que não tivessem interesse no exercício da função”, sustenta.

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