Soldado morto em tiroteio buscava se aproximar dos moradores da Rocinha, principalmente das crianças | Imagem: Reprodução/Facebook |
Numa foto
postada no Facebook, o PM contou que ficou emocionado quando crianças da
comunidade pediram para tirar uma foto com ele. "São momentos como esse
que fazem com que tenhamos certeza de que estamos no caminho certo",
escreveu.
Segundo
Letícia, o melhor amigo tentava se aproximar dos moradores da Rocinha, para explicar
que não tinha a intenção de ferir. "O Filipe tirava bastante foto na
comunidade, com as crianças. Ele sempre chegava falando que era gratificante
uma criança chegar em você e dizer 'obrigada, você está protegendo a minha
família'", conta.
"A
visão que os bandidos passam na favela é que o policial é ruim. Ele queria
mostrar que não era assim."
Mas, na
quarta, os planos do jovem policial acabaram com um tiro. Num confronto com
traficantes, na favela da Rocinha, ele foi baleado. Chegou a ser socorrido, mas
não resistiu.
Filipe
Mesquita passou a engrossar a longa lista de policiais mortos - 29 só neste ano
e 134 em 2017, segundo dados repassados à BBC Brasil pela PM do RJ. "É um
número fora do comum, mas não é inédito. Infelizmente, em outras oportunidades,
já perdemos até mais policiais num mesmo dia", disse à BBC Brasil o major
Ivan Blaz, porta-voz da PM do RJ.
Operação nem sempre envolve fuzil
Alguns meses antes de "virar
estatística", Filipe Mesquita viveu um breve momento de "fama".
Estampou a capa de um jornal local que falava de uma operação policial na
Rocinha.
"Ele vinha chegando à nossa rua e eu disse:
'Você tá famoso, hein?'. Ele não tinha visto o jornal. Quando viu começou a
chorar e disse: 'Meu sonho era aparecer assim, vestindo a farda. Vou pegar esse
jornal para mim e colocar na parede'", relatou Letícia.
Mas
uma das operações da qual Filipe Mesquita mais se orgulhava não envolveu armas
nem confronto com traficantes. Foi o socorro a uma mulher grávida que acabou
tendo o bebê antes de chegar ao hospital.
"Hoje
tive uma das melhores sensações da minha vida. Pude socorrer uma mulher em
pleno trabalho de parto. Ela só falava que a gravidez era de risco. A bebê
tinha sopro no coração. Imediatamente colocamos ela na viatura e fomos em
direção ao Miguel Couto, quando avistamos uma ambulância", postou no
Facebook.
Segundo
Letícia, um dos sonhos de Filipe era ser pai. Ele tinha uma namorada que tem
uma filha pequena e se dava muito bem com a criança.
"Ele
era muito grudado nela. Estava sempre falando da menina. O sonho do Filipe era
ser pai. É até dificil de falar. Era uma pessoa muito boa…. A gente tem que
ficar com as lembranças boas e tendo a certeza de que ele fez o certo",
afirma Letícia.
Uma das operações da qual Mesquita mais se orgulhava foi o socorro a uma mulher grávida que acabou tendo o bebê antes de chegar ao hospital | Imagem: Reprodução/Facebook |
Outros
dois mortos no mesmo dia
Além de
Filipe Mesquita, outros dois policiais foram assassinados no mesmo dia, num
intervalo de 12 horas. O sargento Maurício Chagas Barros morreu durante troca
de tiros com criminosos no Gogó da Ema, em Belford Roxo, Baixada Fluminense. Já
o cabo Luciano Coelho foi morto a tiros durante um assalto dentro de um loja de
departamentos no Centro de Cabo Frio, na Região dos Lagos.
"Como
será o meu dia amanhã? Enterrar um filho muito querido vítima da violência do
Rio", escreveu Geraldino da Silva Barros, pai de Maurício, no Facebook,
quando soube da notícia.
Meses
antes, o policial havia feito uma homenagem no aniversário do pai.
"Pai,
eu não poderia deixar de, no dia de hoje, lhe prestar esta justa homenagem.
Todos os dias agradeço a Deus pela benção que é o privilégio de ser seu filho,
te amo e espero ser um dia um pai tão zeloso e exemplar quanto és para
mim", escreveu Maurício Barros, numa foto ao lado do pai publicada na rede
social.
Os três PMs
que morreram num intervalo de 12 horas têm nome, pais, filhos, amigos e
histórias. Mas, na visão do presidente Associação de Oficiais Militares
Estaduais do Rio de Janeiro (AME/RJ), coronel da reserva Carlos Fernando
Ferreira Belo, são vistos pelo Estado e por parte da sociedade apenas como
números, juntamente com os outros 134 policiais assassinados em 2017.
"A
consideração é a de que o policial é um ser descartável. Se morrer, enterra,
toca o hino, joga a terra em cima, dobra a bandeira, entrega para a família e
coloca outro (PM) no lugar", disse ele à BBC Brasil.
"O
número de mortes em 2017 e 2018 é assustador. Nós vemos policiais morrendo a
troco de nada. Falta armamento, falta munição, falta viatura, e a vida do PM
não é valorizada", critica.
'Polícia
no morro sem presença do Estado não resolve'
O coronel
Belo elenca alguns problemas que considera graves nas forças de segurança do
RJ: salários baixos para soldados (cerca de R$ 2,6 mil), atrasos nos
pagamentos, falta de investimentos, número baixo de efetivo (déficit de 20 mil
homens, segundo ele) e treinamento deficiente nas corporações menos
especializadas.
Mas ele
também argumenta que o modelo de instalação de Unidades de Polícia Pacificadora
(UPP) não trouxe resultado, expondo policiais e moradores das favelas a riscos.
Isto
porque, segundo ele, não adianta "colocar só policiais no morro" sem
garantir a presença do Estado em áreas como saúde, cultura e educação.
"A
mídia divulgou tão bem as UPPs que inicialmente os bandidos fugiram. Mas os
demais órgãos do Estado não estiveram presentes. Não tem saúde, educação e
cultura, não tem presença do Estado. Só polícia não resolve. Os bandidos
voltaram", opina.
O coronel
ainda afirma que os policiais foram deslocados para as UPPs sem treinamento
suficiente. "Colocaram as UPPs sem formação técnica para os policiais.
Temos 9.500 homens nas UPPs apenas. Elas estão exauridas", diz ele,
acrescentando que seriam necessários mais 20 mil policiais para dar conta da
violência no Rio de Janeiro.
O major
Ivan Blaz também defende que policiamento sem política social não resolve o
problema da segurança pública. Mas, para ele, o problema não está na falta de
recursos para a PM, mas sim na "ocupação desordenada do solo" e na
ausência de ações sociais.
"Os
recursos que faltam não passam pela PM. O que faltam são políticas públicas que
tratem de urbanização. Também faltam políticas sociais que abracem uma
população que tem entre 14 e 22 anos, para impedir que os jovens migrem para o
crime."
Violência
contra policiais e de policiais contra civis
São muitas
as críticas de que a PM age com truculência em relação aos moradores de
comunidades pobres. O alto número de vítimas da violência nas favelas evidencia
que a população pobre é a que mais sofre com a guerra contra o tráfico.
No dia 16,
uma mulher de 58 anos e um bebê de um ano foram mortos durante troca de tiros
no Complexo do Alemão. Mais recentemente, a morte da vereadora do Rio de
Janeiro Marielle Franco, executada com quatro tiros, chocou o mundo.
A polícia
ainda investiga a autoria, mas as balas utilizadas teriam sido desviadas de um
lote destinado à Polícia Federal. Marielle era uma crítica ferrenha da
intervenção militar no Rio e da violência policial nas favelas.
"Nós
vemos a morte de uma representante do povo e nós lamentamos profundamente e
esperamos que quem fez isso pague nos termos rigorosos da lei. Se foi um
policial, foi um bandido travestido de PM. Hoje toda a sociedade já colocou na
cota da PM a morte dela", afirma o presidente da Associação de Oficiais
Militares Estaduais do Rio de Janeiro.
Sobre a
morte de moradores da favela, durante confrontos com policiais, o coronal Belo
alega que a "culpa" é "quase sempre" atribuída aos
policiais, ainda que os disparos tenham sido feitos por traficantes.
"É
uma situação de alto risco e com estresse gigantesco. Quando morre alguém já se
atribui ao policial. O policial sobe o morro com a preocupação de não morrer e
de que uma bala perdida de bandido ou dele não atinja um inocente, porque a
culpa vai ser dele de qualquer jeito", afirma, ressaltando, porém, que
nenhum policial pode entrar "atirando a esmo".
BBC Brasil
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