Regional
Segurança
Juazeiro do Norte está ameaçada de "estresse hídrico", aponta relatório.
Além do Município cearense,
Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, constam no relatório feito pelo
World Resources Institute (WRI) com grau de risco extremo de estresse hídrico.
Em 1915, ano de uma das mais
severas secas no Ceará, Padre Cícero Romão Batista, fundador e então prefeito
de Juazeiro do Norte, preocupado com a estiagem que assolava uma legião de
sertanejos, enviou cartas ao Governo do Estado pedindo auxílio. Em um dos
trechos, ele relata, com pesar, o cenário devastador em que se encontrava a
região. "Aqui sepultam todos os dias de pura fome". O trecho da carta
descrevia as inúmeras pessoas que morriam, todos os dias, devido à falta de
água e comida.
O religioso temia que a população
do então emancipado Município vivesse um colapso hídrico. Mais de um século se
passou, e o temor da escassez hídrica na cidade voltou à tona. Juazeiro do
Norte é o único município cearense a constar no relatório feito pelo World
Resources Institute (WRI) com grau de risco extremo de "estresse
hídrico".
A organização mapeou 189 países
em todo o mundo para identificar, por meio de 12 indicativos, quais cidades
correm risco de ficar sem água no futuro. O Atlas Aqueduct de Risco Hídrico,
divulgado nesta semana, apontou que três cidades do Brasil estão na lista das
mais ameaçadas, todas elas no Nordeste. Na avaliação do estudo, Petrolina, em
Pernambuco; Juazeiro, na Bahia; e Juazeiro do Norte, no Ceará, em breve, podem
não ter disponibilidade de água suficiente para atender à demanda.
O biólogo e economista do WRI,
Rafael Barbieri, detalha que as causas apontadas para essa escassez de água são
o consumo excessivo, desperdício, crise climática e degradação ambiental.
Segundo o especialista, estresse hídrico "significa que a disponibilidade
de água de determinada região não atende à demanda, enquanto o risco é a
probabilidade de isso ocorrer".
Ainda conforme Barbieri, pelo
menos, três fatores preponderantes explicam a inclusão de Juazeiro do Norte
neste patamar de extremo risco. O primeiro é o cenário natural, cujo clima e
vegetação, potencializados pela degradação, já são, por si só, indicadores de
estresse hídrico. Outros dois elementos são a Bacia hidrológica em que a cidade
está situada e a alta demanda vinda da agricultura e das indústrias instaladas
no Município. "Juazeiro depende da água absorvida há milhares de anos no
subsolo e, gradativamente, essa reserva tem sido afetada".
O secretário dos Recursos
Hídricos do Estado do Ceará, Francisco Teixeira, afirma que "a água
subterrânea está sendo monitorada pela Cogerh". O objetivo, conforme
explica, é monitorar o nível e a qualidade da água da Bacia. Um dos motivos que
explicam a baixa no volume do Aquífero é o aumento da demanda advinda com o
crescimento populacional e o surgimento de indústrias. O crescimento, em si,
não é um fardo.
O problema reside na forma como a
cidade evoluiu. Para possibilitar essa expansão territorial, o biólogo Martins
Ferreira, avalia que a mata nativa da região foi quase que completamente
destruída parar dar espaço a construções imobiliárias. "Os bairros do
Horto e Frei Damião, só para citar dois, são exemplos. Antes, era área verde,
hoje são construções. Juazeiro quase não tem
mais mata nativa. Isso impacta diretamente na bacia hidrográfica",
detalhou.
Desperdício
Outro ponto alertado pela
pesquisa global, refere-se ao desperdício de água. O problema também é crônico
em Juazeiro do Norte. Em 2014, o Instituto Trata Brasil apontou que a cidade
desperdiçava 43% de toda a água tratada. O índice, que já é considerado alto
para qualquer município, torna-se ainda mais alarmante para uma cidade que
apresenta crescimento vertiginoso.
Em 1912, segundo estudos do
pesquisador caririense Geová Sobreira, Juazeiro do Norte contava com cerca de
mil moradias. Menos de uma década depois, esse número saltou para 20 mil casas
erguidas na cidade. Atualmente, de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada de Juazeiro do Norte, no
ano passado, era de quase 272 mil habitantes, configurando-se como a terceira
maior cidade do Estado, ficando atrás apenas de Caucaia (363,9 mil) e Fortaleza
(2,6 milhões).
Em nota, a Companhia de Água e
Esgoto do Ceará (Cagece) informou que "adota diferentes medidas para
combater as perdas, dentre elas estão a substituição de ramais de ligação de
água e mutirões de retirada de vazamentos, com a implantação de uma equipe
noturna, que visa diminuir o tempo de retirada de vazamento nas vias onde o
fluxo de trânsito é maior durante o horário comercial".
O órgão destacou que as ligações
clandestinas também contribuem com as perdas de água. Questionado sobre o
percentual de água que é desperdiçado no Município, a Cagece não se manifestou.
Soluções
Para além de simplesmente apontar
as cidades em risco hídrico, o World Resources Institute destacou quais ações
efetivas - e assertivas - podem ser adotadas para reverter este cenário a longo
prazo. Investimentos em infraestrutura natural e na restauração florestal para
oferta de serviços ambientais; melhoria na qualidade da água que chega aos
reservatórios; e redução do desperdício de água são alguns dos exemplos.
No entanto, Rafael Barbieri
observa que "o principal de tudo é entender que esse trabalho é de
responsabilidade compartilhada. Todos devem se unir em prol de uma única causa.
O poder público, a iniciativa privada e a população devem entender, reconhecer
e trabalhar juntos para evitar um futuro colapso de água".
Francisco Teixeira avalia que o
Projeto de Integração do São Francisco vai ser crucial para garantir o
suprimento hídrico no futuro.
Cenário geral
Embora Juazeiro do Norte e outras
duas cidades do Nordeste estejam classificadas na faixa global das que possuem
extremo estresse hídrico, o Brasil está numa situação confortável. Das 189
nações pesquisadas, ele ocupada a 116ª posição. A justificativa para esse
contraste acentuado de cenários deve-se à metodologia do estudo, que se baseia
numa média. "Há regiões com muita água no Brasil", pontua Paul Reig,
diretor do WRI, ao explicar que essas localidades acabam impulsionando o País a
uma cômoda posição.
A contrapartida evidenciada por
esse dado é que a distribuição do recurso é muito desigual. "Isso é
perceptível inclusive dentro das regiões. No Ceará mesmo, há localidades com
muita oferta e, outras, com dificuldade de suprir a demanda", frisou o biólogo
Martins Ferreira.
(Diário do Nordeste)
(Foto: Antonio Rodrigues)
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