Candida auris': o que é o 'superfungo' Letal que já matou 2 pessoas e tem 3º surto no Brasil.
Ao longo da pandemia de Covid-19, a Anvisa confirmou 18 casos
da infecção em três surtos diferentes. O primeiro caso confirmado foi
identificado em uma amostra da ponta de um cateter de paciente internado em UTI
de Salvador, local dos dois primeiros surtos: um em dezembro de 2020 (com 15
casos e dois mortos em um hospital da rede privada) e outro em dezembro de 2021
(com um caso em um hospital da rede pública).
Mas pode chamar de surto com essa quantidade relativamente
pequena de casos? Segundo a Anvisa, "pode-se considerar que há um surto de
Candida auris porque a definição epidemiológica de surto abrange não apenas uma
grande quantidade de casos de doenças contagiosas ou de ordem sanitária, mas
também o surgimento de um microrganismo novo na epidemiologia de um país ou até
de um serviço de saúde – mesmo se for apenas um caso.
A infecção por C. auris é resistente a medicamentos e pode
ser fatal. Em todo o mundo, estima-se que infecções fúngicas invasivas de C.
auris tenham levado à morte de entre 30% e 60% dos pacientes. Mas esses números
costumam variar bastante a depender das variáveis envolvidas, a exemplo da
gravidade da doença que levou o paciente ao hospital (como a Covid-19) e da
capacidade do fungo de resistir ou não aos medicamentos.
Segundo a Anvisa, essa espécie de fungo produz
"biofilmes tolerantes a antifúngicos apresentando resistência aos
medicamentos comumente utilizados para tratar infecções por Candida" e até
90% das amostras de Candida auris analisadas apontam resistência ao fluconazol,
anfotericina B ou equinocandinas.
Em seu alerta, a Anvisa afirma que tem analisado casos
suspeitos do fungo desde 2017, mas os primeiros só foram confirmados durante a
pandemia de Covid-19. E o Brasil não foi o único a registrar infecções desse
tipo nesse período ligados ao novo coronavírus.
Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de
Doenças (CDC) registrou 1.156 casos clínicos de Candida auris entre 1º de
setembro de 2020 e 31 de agosto de 2021. Não há informações sobre o número de
mortos. Até 2016, o fungo havia sido detectado em apenas 4 estados americanos.
O número saltaria para 19 estados em 2020.
No México, um surto de Candida auris começou com um paciente
que não estava infectado com coronavírus em maio de 2020, momento que o
hospital San José Tec-Salud, no norte do país, era transformado em uma unidade
de saúde exclusiva para pacientes com Covid-19.
Três meses depois, o fungo Candida auris foi detectado em
três UTIs e atingiu 12 pacientes e três áreas hospitalares. Dez eram homens, 9
eram obesos e todos eles respiravam com auxílio de respiradores mecânicos,
tinham cateter urinário e venoso e estavam internados de 20 a 70 dias ali. Dos
12 pacientes, 8 morreram.
Os pesquisadores que analisaram os casos listam diversos
fatores de risco para o surgimento de infecções por fungos. Entre eles,
diabetes, uso de múltiplos antibióticos, falência renal, uso de cateter venoso
central e, no caso específico de Covid-19, o uso excessivo de corticosteroides
(que tem efeito imunossupressor em neutrófilos e macrófagos, células do sistema
de defesa do corpo humano). Na Índia, o surto de candidemia atingiu 15
pacientes com coronavírus em uma UTI em Nova Déli entre abril e julho de 2020.
Do total, 10 estavam infectados por Candida auris e 6 deles morreram.
No caso do Brasil, um grupo de dez pesquisadores brasileiros
e holandeses investigou o primeiro surto em Salvador, em dezembro de 2020, e a
relação dos casos com a Covid-19. Segundo artigo publicado em março de 2021 no
Journal of Fungi, todos os pacientes atingidos eram oriundos do próprio estado
(Bahia), não tinham histórico de viagem para o exterior e estavam internados na
mesma UTI por causa do coronavírus.
"As restrições de viagem durante a pandemia de Covid-19
e a ausência de histórico de viagem entre os pacientes colonizados por fungos
levaram à hipótese de a espécie ter sido introduzida meses antes de o primeiro
caso ser identificado e/ou de ter emergido localmente na região de
Salvador."
Outra hipótese levantada pelos pesquisadores aponta que os
pacientes já estavam infectados com a Candida auris antes de ficarem gravemente
doentes com a Covid-19. Ao serem internados em UTI, "foram intensamente
expostos a antibióticos e procedimentos médicos invasivos, e desenvolveram
superinfecções". A pandemia de Covid-19, portanto, "pode estar
acelerando a introdução e/ou espalhando a Candida auris em ambientes
hospitalares que estavam livres do fungo".
E concluem: "Num futuro próximo, a superlotação e a
escassez de recursos para práticas de controle de infecções, como o uso
prolongado de equipamentos de proteção pessoal por falta de disponibilidade,
serão um terreno fértil para que C. auris se espalhe, colonize dispositivo
invasivos (como um cateter) e deflagre infecções associadas ao tratamento de
saúde".
Segundo a Anvisa, o Candida auris "pode permanecer
viável por longos períodos no ambiente (semanas ou meses) e apresenta
resistência a diversos desinfetantes, entre os quais, os que são à base de
quaternário de amônio".
Difícil controle e prevenção
Na maioria das vezes, as leveduras do gênero Candida residem
em nossa pele, boca e genitais sem causar problemas, mas podem causar infecções
quando estamos com a imunidade baixa ou quando se provocam infecções invasivas,
como na corrente sanguínea ou nos pulmões. No caso do C. auris, ele costuma
causar infecções na corrente sanguínea, mas também pode infectar o sistema
respiratório, o sistema nervoso central e órgãos internos, assim como a pele.
Esse fungo, que cresce como levedura, foi identificado pela
primeira vez em 2009 no canal auditivo de uma paciente no Japão. Desde então,
houve mais de 5.000 casos identificados em 47 países, entre eles Índia, África
do Sul, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Israel, Chile, Canadá, Itália,
Holanda, Venezuela, Paquistão, Quênia, Kuwait, México, Reino Unido, Brasil e
Espanha.
A taxa de mortalidade média é estimada em 39%, segundo
cálculos em estudo de sete pesquisadores chineses publicado na revista
científica BMC Infectious Diseases em novembro de 2020.
Segundo o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, professor da
Unifesp e especialista em contaminação com fungos, é possível ser colonizado de
forma passageira pelo C.auris na pele ou na mucosa sem ter problemas. O fungo
apresenta risco real se contaminar a corrente sanguínea.
Para a pessoa ser infectada, explicou ele à BBC News Brasil
em 2019, é preciso que tenha sofrido procedimentos invasivos (como cirurgias,
uso de cateter venoso central) ou tenha o sistema imunológico comprometido.
Pacientes internados em unidades de terapia intensiva por longos períodos e com
uso prévio de antibióticos ou antifúngicos também são considerados grupo de
risco para a contaminação.
Em 2016, a Opas, braço da Organização Mundial da Saúde para a
América Latina e o Caribe, publicou um alerta recomendando a adoção de medidas
de prevenção e controle por causa de surtos relacionados ao fungo na região. O
primeiro surto da região ocorreu na Venezuela, entre 2012 e 2013, atingindo 18
pacientes.
Além disso, o C. auris costuma ser confundido com outras
infecções, levando a tratamentos inadequados.
"O C. auris sobrevive em ambientes hospitalares e,
portanto, a limpeza é fundamental para o controle. A descoberta (do fungo) pode
ser uma questão séria tanto para os pacientes quanto para o hospital, já que o
controle pode ser difícil", explicou a médica Elaine Cloutman-Green,
especialista em controle de infecções e professora da University College London
(UCL).
Nem todos os hospitais identificam o C. auris da mesma
maneira. Às vezes, o fungo é confundido com outras infecções fúngicas, como a
candidíase comum.
Em 2017, uma pesquisa publicada por Alessandro Pasqualotto,
da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, analisou 130 laboratórios de
centros médicos de referência na América Latina e descobriu que só 10% deles
têm capacidade de detecção de doenças invasivas de fungos de acordo com padrões
europeus.
Segundo a Anvisa, o surto em 2016 em Cartagena, na Colômbia,
é um exemplo de como o micro-organismo é difícil de identificar. Cinco casos de
infecção foram identificados como três fungos diferentes até um método mais
moderno de análise diagnosticar o patógeno corretamente como C. auris.
Também não é possível eliminá-lo usando os detergentes e
desinfetantes mais comuns. É importante, portanto, utilizar os produtos
químicos de limpeza adequados dos hospitais, especialmente se houver um surto.
Em alerta emitido em 2017, a Anvisa explicou que não se sabe ao certo qual é o
modo mais preciso de transmissão do fungo dentro de uma unidade de saúde.
Estudos apontam que isso pode ocorrer por contato com superfície ou
equipamentos contaminados e de pessoa para pessoa. O CDC também afirma que o
fungo pode permanecer na pele de pacientes saudáveis sem causar infecção e se
espalhar para outras pessoas, por exemplo.
Em entrevista à BBC News Brasil em dezembro de 2020,
Pasqualotto, também professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre (UFCSPA), afirmou que casos de Candida auris são como "um
evento adverso do progresso da humanidade".
(NB News)
(Foto: Reprodução)
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