Nova cobrança da Enel pode deixar internet mais cara; pequenos provedores temem falência.
A Enel Ceará comunicou na semana passada aos provedores de
internet do Estado que a partir de março passará a cobrar uma taxa mensal
relativa aos equipamentos instalados nos postes de energia.
Podendo chegar a R$ 75 por poste, a tarifa elevará
significativamente os custos dos provedores de menor porte, que estimam um
reajuste de até 70% no valor dos planos oferecidos ao consumidor final por
conta da nova despesa.
Com a previsão de perderem competitividade após essa
correção, empresários preveem falências no setor.
Em nota, a Enel Ceará afirmou que não está realizando
cobrança indevida ou de uma nova taxa. (Veja posicionamento abaixo)
Ariel Alves, sócio-proprietário de duas empresas provedoras
atuantes nos municípios de Graça e São Gonçalo do Amarante, pontua que a
utilização da infraestrutura da concessionária de energia, ou seja, os postes,
é indispensável para o fornecimento do serviço.
Ele detalha que, ao serem autorizados a operar, os provedores
já pagam uma espécie de aluguel por poste usado. Este ano, o custo dessa tarifa
alcançou R$ 12,50 após o reajuste anual. Com a taxa que começará a ser cobrada
em março, de até R$ 75, o impacto será enorme.
"Meu provedor é pequeno. Essa cobrança vai representar
cerca de R$ 10 mil por mês pra mim. Já pra outros pode chegar a R$ 200 mil. A
gente está sem saber o que fazer, porque um aumento da despesa desse valor é
praticamente uma sentença de falência", afirma.
Para conseguir manter o negócio sustentável, ele calcula que
o repasse desses custos para os clientes elevaria o valor dos planos em cerca
de 70%. Com grande parte da carteira referente a planos de R$ 60, a opção mais
popular passaria a custar R$ 102.
"Eu atendo no Interior, em uma região pobre. Tenho 1,6
mil clientes que não sustentariam a correção", acrescenta Alves.
Desigualdade de condições
O impacto negativo é corroborado por Philipe Fernandes,
proprietário da Fica Telecom, empresa atuante em Fortaleza, Chorozinho e
Aquiraz. Com oito anos de mercado, a companhia soma cerca de 3,2 mil clientes e
26 funcionários.
Ele indica que o reajuste de 17% sobre o valor pago
mensalmente já representou um baque nas contas das empresas e que o comunicado
da nova tarifa pegou o setor de surpresa.
"Deixou a categoria totalmente perplexa. No meu caso, eu
tenho mais de 1 mil CTOs (termo técnico para as caixas instaladas nos postes).
Para o pequeno e médio provedor vai ficar inviável".
Sobre a competitividade, Fernandes ainda lembra que as
grandes empresas de telecomunicações possuem acordos que as isentam do
pagamento dessas taxas, o que deixaria o mercado ainda mais desigual.
Ele prevê que, caso repassadas as novas despesas inteiramente
para o consumidor, o menor valor dos planos ofertados chegaria a R$ 150,
enquanto as grandes companhias possuem opções a partir de R$ 70.
"Seria um retrocesso. Sem falar que 80% das pessoas dos
bairros são atendidas por esses provedores e a cobrança vai afetar um mercado
que abastece muito todo o Estado, que gera muito emprego. Nossos colaboradores
já estão receosos sobre o que irá acontecer"
Philipe Fernandes
Proprietário da Fica Telecom
Jurisprudência
Para buscar brechas na taxação, os provedores cearenses estão
se organizando em grupos para aconselhamento jurídico. A advogada Ana Aguiar,
sócia do escritório Aguiar e Galvão Advogados, especializado em
telecomunicações, está movendo algumas ações coletivas a respeito.
Representando cerca de 100 provedores, ela esclarece que,
para uma empresa iniciar a prestação de serviços, além das autorizações de
agências reguladoras, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ela
precisa elaborar um projeto de compartilhamento e submetê-lo à aprovação da
concessionária de energia local, no caso a Enel Ceará.
Apenas após essa aprovação as empresas podem iniciar a
instalação dos equipamentos e o fornecimento.
Além disso, ela ressalta que o contrato assinado pelas
provedoras a respeito do compartilhamento de infraestrutura é de adesão, ou
seja, sem variação ou negociações individuais.
A cobrança pelos equipamentos instalados nos postes é
prevista na minuta contratual e regulamentada em resolução conjunta da Anatel e
Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). No entanto, Aguiar argumenta que
os valores de referência recomendados pelo documento sugere o valor de R$ 3,19
por ponto de fixação.
"Os demais estados do Nordeste praticam esse preço de
referência reajustados por indicadores inflacionários, como o IPCA e o IGP-M.
Piauí, por exemplo, cobra cerca de R$ 7,00. O Maranhão, R$ 5,50. Esse valor de
R$ 12,80 coloca o provedor em dificuldade", ressalta.
Ela ainda esclarece que o "aluguel" dos postes e a
cobrança pelos equipamentos instalados são tarifas diferentes. O primeiro já
era pago mensalmente referente a todos os postes utilizados pelos provedores.
Já a nova tarifa irá incidir apenas sobre os postes nos quais
há equipamentos, a exemplo de pequenas caixas coloridas que podem ser
observadas. Nesse caso, o contrato entre a Enel e os provedores estabelece a
cobrança de seis vezes o que é pago pelas unidades de pontos de fixação.
"À exceção dos cabos propriamente ditos, todo e qualquer
equipamento e/ou material que venha a ser afixado pela ocupante em postes da
detentora, incluindo, mas não se limitando, as fontes de alimentação, será
considerado, para efeitos do cômputo do valor estipulado na tabela de preços,
como 06 (seis) unidades de pontos de fixação disponibilizados", diz o
texto.
Aguiar ainda lembra que, conforme pesquisa realizada pela CDL
do Crato, 77% dos acessos de internet do Estado são providos por empresas de
pequeno porte e que a nova cobrança da Enel pode afetar 100 mil famílias
empregadas no setor.
"O que nós questionamos é essa cobrança fora dos
parâmetros previstos", conclui a advogada.
Agências reguladoras
Procurada, a Anatel informou, por meio de nota, que a resolução
conjunta "aprova o preço de referência para o compartilhamento de postes
entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de
telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, e
estabelece regras para uso e ocupação dos Pontos de Fixação".
A agência ainda detalha que é considerado ponto de fixação
"o ponto de instalação do suporte de sustentação mecânica dos cabos e/ou
cordoalha da prestadora de serviços de telecomunicações dentro da faixa de
ocupação do poste destinada ao compartilhamento".
Isso significa ser regulamentada a cobrança especificamente
pela "fixação de cabos pelas prestadoras de telecomunicações na faixa de
ocupação compartilhada".
A nota ainda pontua que o compartilhamento dos postes para outras
finalidades e a cobrança pelas mesmas é possível dentro de regulamentação
específica da Aneel.
A Aneel, também em nota, pontuou que "os preços e as
condições comerciais quanto à fixação de equipamentos de provedores de internet
nos postes das distribuidoras de energia elétrica podem ser livremente
negociados entre as partes, desde que sejam observados os princípios da
isonomia e da livre competição".
O órgão esclarece ainda que o preço de referência previsto na
resolução conjunta "só pode ser utilizado em eventual processo de
resolução de conflitos entre as partes".
Resposta da Enel Ceará
Já a Enel Ceará informou que "não está realizando
cobrança indevida ou de uma nova taxa, mas passará a fazer a cobrança dos
equipamentos de telecomunicação instalados nas infraestruturas da
distribuidora, condição já prevista nos contratos de Compartilhamento de
Infraestrutura previamente assinados pelas empresas de telecomunicação do
Ceará".
A distribuidora também ressalta que as empresas provedoras
foram informadas previamente da cobrança e que os contratos de compartilhamento
"são seguidos de forma isonômica entre todas as prestadoras de serviços de
telecomunicação".
Questionada sobre o motivo do início da cobrança apenas
agora, uma vez que já era prevista nos contratos, sobre o número de postes que
abrigam equipamentos de telecomunicações e sobre o impacto financeiro da
tarifa, a Enel não deu detalhes
(tvj1)
(Foto: Reprodução)
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