Idosas cearenses são usadas como 'laranjas' por associação investigada por fraudes do INSS
A fraude
em benefícios de aposentados e pensionistas do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) não vitimou
apenas os que tiveram descontos indevidos
em seus ganhos. Aposentadas cearenses foram utilizadas como laranjas
por uma das associações investigadas.
As
vítimas apareciam como membros da diretoria da Associação dos Aposentados e Pensionistas
Nacional (Aapen), uma das entidades investigadas por fazer descontos
associativos em benefícios do INSS sem autorização.
Seis
mulheres foram eleitas membros da diretoria da Aapen em 15 de dezembro de 2023,
nos cargos de presidente, vice-presidente, secretárias e conselheiras. Pelo
menos duas delas alegam que nunca geriram a associação, conforme ações da
Defensoria Pública do Ceará obtidas pelo Diário do Nordeste.
A
reportagem optou por não publicar os nomes das idosas envolvidas nas ações. Em
nota, a Defensoria informou que ingressou com ação para anular a inclusão do
nome de uma idosa de 72 anos, analfabeta e em situação de vulnerabilidade,
como presidente de uma associação apontada em esquema de fraudes contra
aposentados e pensionistas.
"A
mulher acreditava ter assinado documentos para contratar empréstimos
consignados, mas acabou registrada como dirigente da entidade, que responde a
processos em vários estados por descontos ilegais em benefícios
previdenciários. Na ação, que será apreciada pela Justiça, a Defensoria
solicita a imediata exclusão do nome da assistida do quadro diretivo e o fim de
sua responsabilização por dívidas e obrigações da associação", afirmou a
Defensoria.
A ata da
reunião e o estatuto da associação foram assinados pelas mulheres, com
reconhecimento de firma em cartório, mas a defensoria aponta indícios de falsificação
nos documentos.
Uma das
vítimas não reconheceu a sua assinatura. Outro indício é que as firmas foram
reconhecidas no cartório Morais Correia, em Mombaça, no interior
do Ceará, enquanto todas as mulheres moram na Região Metropolitana de
Fortaleza.
“Seria
necessário que todas essas pessoas se deslocassem por quase 300 km para
realizar o reconhecimento das assinaturas, quando poderiam ter realizado tal
ato no cartório de sua própria cidade de residência”, aponta a defensoria na
ação.
As
vítimas afirmam que só descobriram que tinham integrado a associação em 2025,
quando começaram a receber intimações e documentos judiciais em que constavam
como réus.
Isso
porque, com a exposição da fraude dos descontos indevidos, aposentados e
pensionistas começaram a processar as associações que realizavam os débitos. Os
descontos indevidos começaram a ocorrer em 2019, mas só foram revelados em abril de 2025,
em operação da Polícia
Federal.
Nos
processos movidos pelos beneficiários contra a Associação dos Aposentados e
Pensionistas Nacional (Aapen), essas mulheres
são enquadradas como réus.
A
reportagem também solicitou à Defensoria um advogado que estive à frente dos
casos das idosas, mas o órgão informou que não está concedendo entrevistas
sobre as ações. O espaço segue aberto para manifestação.
IDOSA FOI CAPTADA PARA EMPRÉSTIMO E SE TORNOU
'PRESIDENTE' DA ASSOCIAÇÃO
Uma idosa
de 62 anos, moradora do bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza, foi eleita como
presidenta da associação. Analfabeta, com capacidade apenas de assinar o
próprio nome, ela foi enganada pela associação na promessa de que faria um
empréstimo de R$ 1.500.
Ela
denuncia que, em 2023, foi abordada por Liduína Sousa Mendes, que costumava
captar pessoas para realizar empréstimos consignados na região.
“Liduína
era quem intermediava o contato entre ela e supostos advogados, os quais
alegavam que o referido empréstimo fora disponibilizado pelo Governo Federal”,
aponta a ação.
A
aposentada foi conduzida por diversos advogados a assinar documentos e chegou
até a ir a um cartório, sem saber do que se tratava realmente. Em 2025, ela foi
surpreendida com intimações e citações judiciais.
O nome
dela consta na lista de réus que tiveram seus bens
bloqueados pela Justiça no processo que investiga a
fraude do INSS. A Aapen teve o bloqueio de R$ 281 milhões.
Há mais
de 200 processos em desfavor da idosa, que afirma
que não teve qualquer participação ativa na associação, nem exerceu funções de
gestão ou controle.
“É pessoa
simples, mora na periferia de Fortaleza, não possui bens, tendo como fonte de
renda um benefício previdenciário e, complementando sua renda no préstimo de
manicure, quando consegue clientes”, destaca a defensoria.
O Diário
do Nordeste tentou contato com a Aapen e com Liduína Sousa Mendes, mas não
obteve retorno. O espaço segue aberto.
BLOQUEIO DE CONTAS BANCÁRIAS
Outra
vítima da associação é uma aposentada de 70 anos, moradora da Caucaia, que foi
'eleita' como primeira conselheira fiscal da Aapen.
A idosa
também descobriu a fraude ao receber citações judiciais de processos movidos em
Goiás, Bahia e Rio Grande do Norte. Ela afirma desconhecer a associação e nunca
ter assinado qualquer documento para assumir cargos de gestão.
A
aposentada denuncia diversos prejuízos pelos processos,
como bloqueio de contas bancárias e inscrição de seu nome em cadastros de
devedores.
“Trata-se
de uma situação de extrema injustiça, que submete uma senhora idosa à
insegurança constante e ao temor de ver seu nome vinculado a litígios dos quais
não possui qualquer relação, configurando inequívoco dano moral e material”,
aponta a ação da defensoria.
A
ação judicial ressalta que a vítima encontra-se em situação de extrema
vulnerabilidade, com medo de sofrer consequências legais ou financeiras,
integridade abalada e insegurança.
FRAUDE DO INSS
A Aapen
está entre as dezenas de associações e empresas processadas pela
Controladoria-Geral da União por realizar descontos associativos nos benefícios
de aposentados e pensionistas.
Estima-se
que cerca de R$ 6,3 bilhões foram descontados de aposentados e pensionistas
entre 2019 e 2024, sem que eles soubessem que integravam as associações.
As
investigações identificaram a utilização de plataformas eletrônicas que
simulavam as fichas de filiação, burlando as normas do INSS. Há também indícios
de descontos realizados nos benefícios de pessoas já falecidas.
Entre
2019 e fevereiro de 2025, o INSS realizou pagamentos a 275 mil pessoas já
falecidas, com prejuízo de R$ 4,4 bilhões.
O governo
federal está realizando a devolução
dos descontos indevidos a aposentados e
pensionistas. O Ministério da Previdência Social estima que mais de 1,9
milhão de pessoas estão aptas a receber os descontos.
(Diário do Nordeste)
(Foto: Ismael Soares)
Deixe seu comentário
Postar um comentário