Ceará
Saúde
Oito UPAs estão prontas e fechadas no Ceará, uma delas desde 2012.
Abandono de nove unidades de saúde no interior do Estado foi denunciado pelo Diário do Nordeste em agosto de 2018: de lá até aqui, apenas um dos equipamentos foi inaugurado. Municípios podem ter de devolver recursos.
Problemas graves e urgentes são como batata quente
nas mãos do Poder Público brasileiro: o Governo municipal joga para o estadual,
que rebate ao federal, que devolve às esferas locais. A solução fica no limbo.
Assim tem sido em relação às oito Unidades de Pronto Atendimento (UPAs)
finalizadas e abandonadas em municípios do interior do Ceará, cujos R$
12.250.000 investidos na construção ficam mais inúteis ao propósito principal:
servir à saúde da população.
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), o Ceará
"conta com nove UPAs 24h já com atestado de conclusão emitido: Acaraú,
Barbalha, Boa Viagem, Cascavel, Juazeiro do Norte, Morada Nova, Quixeramobim,
Sobral e Tianguá", mas ainda aguardando "contratação de pessoal e
aquisição dos equipamentos para funcionamento". A Pasta federal garante
que "as unidades já foram habilitadas e estão com os repasses de incentivo
financeiro de investimento efetuados".
No entanto, a UPA de Sobral, mencionada pelo
Ministério da Saúde "está funcionando normalmente" desde quando foi
inaugurada, no início deste mês, conforme a reportagem comprovou.
Em agosto do ano passado, o Diário do Nordeste já
havia denunciado o abandono de nove unidades, confirmado pelas respectivas
prefeituras, que alegavam incapacidade financeira para manutenção dos
equipamentos de saúde. Quase um ano depois, o argumento se mantém. A reportagem
verificou que oito das UPAs permanecem como elefantes brancos no interior: apenas
a de Jaguaribe foi inaugurada, no último dia 29 de junho, dois anos após a
conclusão da obra.
Se em Sobral, a situação está regularizada, a cerca
de 110 km de lá, Acaraú vive uma realidade bem distinta: com construção
concluída, segundo o MS, desde 2016, a UPA do Município é, na verdade, um
casarão abandonado. Aparentemente pronto, mas fechado e sem nenhum equipamento,
a única vida que o prédio abrigava, quando a reportagem esteve lá, era a de um
cachorro - testemunha de uma estrutura em deterioração pelo tempo e o desuso.
Quanto à UPA de Barbalha, o prefeito Argemiro
Sampaio afirmou, em agosto passado, que "não existia demanda" no
Município, que a construção havia sido "um programa eleitoreiro" e
que, a partir de 2019, uma policlínica municipal passaria a funcionar no local.
Até hoje, o equipamento nunca foi instalado, e o prédio segue abandonado. E por
tempo indeterminado, segundo a secretária de Saúde, Pollyanna Callou. Segundo
moradores, a UPA chegou a ser inaugurada, mas nunca funcionou, e materiais
chegaram a ser roubados do local.
Em Boa Viagem, o prédio pronto e fechado deverá ser
utilizado como Unidade Básica de Saúde (UBS) e Centro de Atenção Psicossocial
(Caps). Para isso, de acordo com o secretário de Saúde, Williams Vaz, o
Município aguarda autorização federal. "Precisaríamos de uma contrapartida
muito alta para a UPA funcionar, mas não temos essa condição financeira. A obra
foi realizada na gestão passada. Foram detectadas várias inconformidades na
construção. Um processo administrativo está apurando", completou.
Problemas
Já em Cascavel, a cerca de 62km de Fortaleza, a
Prefeitura confirma a existência de uma UPA entregue e inativa desde 2012. Em
nota, a gestão informou que o Governo do Estado vai "doar" os
equipamentos necessários ao funcionamento da unidade, que passa por "obras
de reparo necessárias por conta do período que ficou parada". As verbas
para custeio do equipamento, afirma a nota, "deverão ser obtidas por
emendas parlamentares que também estão sendo viabilizadas".
Em Juazeiro do Norte, o prédio que seria destinado
à UPA no bairro Lagoa Seca foi concluído, mas nunca aberto. Mato e infiltrações
ocupam as áreas externa e interna do equipamento, e itens da estrutura chegaram
a ser roubados. Uma auditoria feita ano passado identificou vários itens
incompatíveis com o projeto e, por isso, a Secretaria de Saúde de Juazeiro do
Norte e a Procuradoria Geral do Município protocolaram Ação Civil Pública por
ato de improbidade administrativa contra as empresas que executaram a obra.
Após solução do imbróglio judicial, sem previsão, a UPA deve ser convertida em
policlínica.
No município de Morada Nova, informa a secretária
de Saúde, Luciana de Almeida Lima, a UPA deverá começar a funcionar após o
atendimento das adequações físicas exigidas pelo Ministério da Saúde. Os
serviços deverão ser concluídos ainda neste semestre e, segundo a titular,
equipamentos clínicos e mobília estão assegurados pelo Governo do Estado.
Situação semelhante é verificada em Quixeramobim,
cuja UPA está pronta e fechada desde 2016. Os móveis e ferramentas médicas,
orçados em R$ 2 milhões, virão do Estado. A Secretaria de Saúde do Município
informou estar em processo de planejamento para ativar a unidade, o que deve
ocorrer no primeiro semestre de 2020.
Em Tianguá, a realidade é igual. A estrutura da UPA
começou a ser construída em novembro de 2013. O prazo de entrega era de 180
dias. Mas há quase seis anos, a população espera pelos serviços de saúde que
seriam oferecidos pela Unidade de Pronto Atendimento. De acordo com o prefeito
de Tianguá, Jaydson Aguiar, as conversas com o Governo Estadual e a União para
inaugurar a UPA estão avançadas. Segundo ele, na semana passada, chegou parte
dos imóveis para equipar a unidade. Apesar de nunca ter funcionado, a estrutura
vai precisar de reparos. A promessa é inaugurar até o fim de 2019. Quando
estiver em funcionamento, a perspectiva é atender nove mil pessoas.
Readequação
A Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) afirmou, em
nota, que envia o custeio mensal de R$ 85 mil a R$ 250 mil a todas as 36 UPAs
ativas no Ceará, "a depender do porte". Mas como o projeto de
construção é tocado pelos Governos Federal e Municipal, a Pasta estadual só
assume o dever de repasse a partir da inauguração.
Em maio de 2018, o Governo Federal autorizou
estados e municípios a utilizarem a estrutura das UPAs inativas em outra
finalidade na área da saúde (como para UBS e Caps), a fim de que não perdessem
as estruturas já erguidas. Mas, segundo a Pasta, nenhum município cearense
solicitou a readequação. O prazo para solicitação era junho deste ano, e foi
prorrogado para novembro.
Caso não se manifestem, as prefeituras podem ser
obrigadas a devolver o dinheiro gasto pelo Governo Federal nas obras. "O
Ministério da Saúde pode aplicar os dispositivos previstos em portaria para as
situações de irregularidades, como medidas de cancelamento das propostas e
devolução do recurso do incentivo repassado".
A presidente do Conselho das Secretarias Municipais
de Saúde do Ceará (Cosems), Sayonara Cidade (titular da saúde de Capistrano)
confirma que o órgão tem conhecimento de todas as unidades prontas e fechadas,
mas rebate a informação do Ministério da Saúde, ao afirmar que "todos os
municípios citados já solicitaram autorização para utilizar as UPAs para outra
finalidade". "O Ministério sinalizou que não teria recursos para
todos os equipamentos finalizados, então autorizou a readequação. Alguns
prefeitos chegaram a manter UPAs por um ano com recursos próprios, do tesouro
municipal, com ajuda do Estado, mas isso é muito oneroso", declara
Sayonara.
A justificativa para a construção de UPAs em
municípios que não conseguiriam mantê-las, segundo a presidente do Cosems, é
mau planejamento. "Sempre entendemos que existe uma contradição muito
grande, porque as UPAs concorriam com hospitais de urgência e emergência.
Acredito que o Governo Federal liberou unidades acima do que estava orçado. Os
municípios receberam dinheiro para construção, mas não para o custeio. Não
vindo esse recurso, é impossível manter", sentencia.
Em nota, o Ministério da Saúde informa que
"deliberações locais das propostas de Readequação da Rede Física do SUS
antecedem a formalização junto à Pasta federal, podendo, portanto, existirem
processos em construção nos municípios para posterior formalização no
Ministério da Saúde". O órgão reforça, ainda, que "tem feito os
esforços necessários para colocar as unidades de saúde em funcionamento".
Por Theyse
Viana, Maristela Gláucia, Antônio Rodrigues e Alex Pimentel, metro@verdesmares.com.br
(Diário do Nordeste)
(Foto: Alex Pimentel)
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