Data Magna: feriado lembra pioneirismo do Ceará no fim da escravidão
O feriado da Data Magna, celebrado nesta terça-feira, 25, é um dos
grandes marcos da história cearense. Há 141 anos, em março de 1884, o Ceará abolia
oficialmente a escravidão a nível local e se tornava o primeiro estado do então
Império Brasileiro a encerrar o regime escravagista.
A conquista, que até hoje dá nome ao apelido “Terra da Luz” para o
Estado, foi conquistada pelo sangue e suor de várias gerações de negros, que
lutaram pelo direito de seu povo à vida com orgulho e dignidade. Feriado
estadual desde 2011, a data busca relembrar a importância destes homens e
mulheres que enfrentaram a tirania e o preconceito para conquistar sua liberdade.
Para
a especialista em História e cultura africana e afro-brasileira, Gizelle
Ferreira, a existência do feriado é fundamental para manter viva a memória de
um movimento cearense, que serviu de exemplo para todo o país, e deve ser
motivo de orgulho para a população local.
“É muito importante a gente reacender e reconquistar essa memória, porque
o cearense tem problema de memória. Nós esquecemos de estudar, de vangloriar e
exaltar nossa memória. E que a gente possa ir atrás das memórias que são
relacionadas ao nosso povo. A impressão é de que a ‘Terra da Luz’ é como se
fosse uma visão mágica, heroica, de pessoas que salvaram os negros da
escravização e não foi por aí”, comenta.
Parte dessa história que precisa ser lembrada, entretanto, não é tão
positiva. Se por um lado temos a árdua conquista da liberdade pelo movimento
negro, essas mesmas pessoas sofreram com a ausência de direitos econômicos e
sociais para esses libertos.
Mais do que a apoteose da abolição, a Data Magna conta centenas de anos
de luta contra o regime escravagista no Ceará e tudo aquilo que precisou ser
sacrificado por quem lutou contra ele. A história dessa luta não é
protagonizada por soldados com grandes armaduras, mas sim por jangadeiros,
quilombolas, escravizados e trabalhadores negros, que enfrentaram um sistema
complexo e opressor, para conquistar um direito básico.
Passados mais de um século da abolição da escravatura no Ceará, a luta
por direitos segue como pauta do movimento negro. O enfrentamento ao racismo e
à discriminação racial têm sido pautas diárias de grupos militantes na causa.
Entre as formas de enfrentamento à essa violência está a educação e o
reconhecimento do protagonismo dos negros no Ceará. Entretanto, este também é
um problema a ser superado, já que o ensino da história do Estado por muitas
vezes é preterido por outros assuntos nas salas de aula, o que termina por
colaborar para essa “falta de memória” citada por Ferreira.
“A que ponto o cearense está tendo contato com a sua história? Sua
história indígena e sua história negra. Eu como professora percebo que há uma
defasagem muito grande na educação já que a gente não trabalha história do
Ceará no Ensino Básico. Apesar de ter no currículo, isso fica muito à escolha
do professor. Como a gente vai se identificar, se reconhecer, entender as
contradições que envolvem nosso viver, se a gente não conhece a nossa
história?”, questiona a também mestra em Ciências da Educação.
Equipamentos pelo Estado
homenageiam movimento abolicionista e seus líderes
Ao redor do Ceará, uma das formas para lembrar a luta negra contra a
escravidão é o batismo de monumentos e prédios históricos em homenagem a seus
líders. Em Fortaleza, por exemplo, Dragão do Mar e Tia Preta Simoa, dois dos protagonistas da Greve dos Jangadeiros, movimento que barrou o transporte de
negros que seriam vendidos em outras províncias, dão nome a prédios da cidade.
Dragão do Mar é a graça de um dos principais centros culturais da Capital
cearense, com música, cinema, astronomia e outras expressões artísticas e
científicas. Já Preta Simoa é o nome de uma das casas do movimento Olga em
Fortaleza, que presta ajuda a mulheres vítimas de violência contra a mulher.
A sede do Governo do Estado também carrega uma homenagem a história dos
negros no Ceará, com o título Palácio da Abolição, em referência à Data Magna.
Já no município de Redenção, situado a 67 quilômetros (km) de Fortaleza, está
o Museu Senzala Negro Liberto, que até hoje guarda memórias
dos anos de luta no Ceará.
Essa prerrogativa, de nomear espaços públicos com nomes de personagens
históricos é comumente adotada para manter vivo legado desses personagens.
Entretanto, é preciso mais do que apenas um nome em uma fachada para fazer jus
às contribuições desses indivíduos para a história cearense.
“Uma memória não se mantém viva se não há uma reflexão sobre ela.
Simplesmente um prédio ou algum monumento batizado com o nome de alguém, sem algum
movimento ou algo que envolva aquele lugar, acaba se esvaindo. Acaba sendo
simplesmente um prédio, simplesmente uma estátua, que deixa de ter significado
real”, pondera Gizelle.
Programação dos equipamentos no
feriado da Data Magna
O POVO procurou os espaços citados para saber qual será
a programação alusiva à Data Magna. Entre os quatro que homenageiam o evento,
apenas o Centro Dragão do Mar e o Museu Senzala sinalizaram ações durante o
feriado estadual.
Em Redenção, o Museu Senzala terá funcionamento normal, com
visita guiada em seus espaços internos. Já no Centro de Arte e Cultura em
Fortaleza, os movimentos do feriado deverão acontecer apenas no fim de semana,
com o movimento Dragão no Território, que no sábado, das 9 às 11 horas,
realizará encontro com especialistas e estudiosos do movimento negro no bairro
Moura Brasil.
A discussão abordará os direitos das mulheres, seus avanços e desafios,
tendo como ponto de partida a trajetória de Preta Simoa, importante liderança
feminina cearense. Preta Simoa teve papel fundamental na mobilização dos
jangadeiros contra o transporte de negros escravizados para a capital da
província do Ceará no século XIX, além de ser reconhecida por sua atuação na
luta pelos direitos das mulheres e da população negra.
Mais tarde, às 16 horas, o Centro também sedia a última edição do
"Mulheres em Cena: As Guardiãs das Encantarias", uma roda de conversa
promovida pelo Museu da Cultura Cearense (MCC). O encontro será realizado na
Praça Verde e contará com a participação de Clea do Cumbe e Cícera Barbosa, com
mediação de Mabel Castro.
À nível estadual, não foram informadas ações referentes ao feriado.
Questionada sobre a programação, a Secretaria da Igualdade Racial do Estado do
Ceará (Seir) informou que não possui ações previstas para o feriado.
Também procurada, a Casa Civil do Estado também não emitiu resposta até o
fechamento desta matéria. O texto será atualizado assim que uma resposta for
enviada. O POVO tentou contato também com a Casa da
Mulher Trabalhadora Preta Simoa, mas não obteve retorno.
(O Povo- Online)
(Foto: TIAGO STILLE/ GOVERNO DO CEARA)
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