Vítima de trabalho infantil e análogo a escravidão por 27 anos é indenizada em R$ 70 mil no Ceará
Uma vítima receberá indenização pela submissão a trabalho
análogo à escravidão e trabalho infantil, fixando o valor de R$ 70 mil
e R$ 5 mil por danos morais adicionais devido à
ausência de proteção à maternidade em episódios de doença do filho.
A decisão foi da Justiça do Trabalho do Ceará, do dia 18 de
agosto. A juíza condenou a empregadora, do município do Crato, a pagar as devidas indenizações e os
custos do processo.
O
POVO obteve acesso ao processo do caso com depoimentos que relatam uma
situação de trabalho infantil que começou aos 10 anos de idade. A vítima, sob a
ordem da própria avó, foi colocada para trabalhar em uma residência cuidando de
outras crianças, da casa e de uma fábrica de biscoitos.
Os depoimentos mostram o acumulo de três funções, a de babá, de
doméstica, durante o dia, e a da fábrica de biscoitos, no período da noite. A
empresa era localizada na própria residência. Os valores provenientes das
atividades não eram repassados para a vítima, mas para a avó.
A defesa alegou a tese do "como se fosse da família", que não
foi aceita pela Justiça. Além de morar em um "quartinho dos fundos"
da residência, ela também foi privada de estudar. Somente aos 17 anos, ela
iniciou as atividades escolares, o que mostrou, no processo, a diferenciação da
realidade dela para a das crianças da família, que atualmente constituíram as
profissões de advogada e outra de contadora.
"A Reclamante, ao contrário dos filhos da Reclamada (uma advogada e
outra contadora), teve seu direito à educação cerceado, como demonstrado pelo
fato de ter iniciado os estudos tardiamente (aos 15 anos) e não ter concluído o
ensino fundamental, apesar de ter sido matriculada pelo esposo da Reclamada. A
discrepância de tratamento em relação às crianças "de sangue" da
família é um forte indicativo de que a Reclamante era vista e tratada como mão
de obra barata e disponível, e não como um membro da família em igualdade de
condições", descreve a decisão.
A denúncia ainda envolve cerceamento do convívio familiar, agressões
física e psicológica, estas últimas sem provas robustas. Além de acidentes por
queimadura, pelo manuseio de bandejas quentes. O salário era menor que o mínimo
admitido pelo estado brasileiro.
Aos 17 anos com o nascimento do primeiro filho, ela conseguiu sair da
casa da família e passou a morar com o pai da criança e em seguida começou a
trabalhar somente na fábrica. A vítima teve um segundo filho. Em ambas as
gestações, ela não recebeu salário-maternidade. Hoje, a vítima tem por volta de
40 anos.
Trabalhadora
teve descontos salariais mesmo justificando faltas
No ano de 2024 a trabalhadora, adulta, recebeu apenas R$ 100, mesmo
justificando as faltas por problemas de saúde dos filhos. Ela foi informada
pela filha da proprietária da fábrica, que é contadora, que seriam realizados
os descontos.
"Explicava os descontos e que não haveria pagamento mesmo com faltas
justificadas por acompanhar filho doente no hospital", relata o
documento.
"A não anotação da CTPS no segundo período contratual,
impossibilitando o acesso da reclamante ao auxílio doença nos episódios de
doença do seu filho e, o que é pior, gerando descontos indevidos no salário desta
em razão das faltas, viola direitos fundamentais e causa evidente dano moral à
trabalhadora, que se vê desamparada em um período de extrema
vulnerabilidade", descreve a juíza do trabalho Giselle Bringel de
Oliveira Lima David.
O
POVO tentou contato com o advogado da empregadora, mas ele não foi
localizado.
Além disso, duas pessoas foram condenados por
manter uma mulher de 80 anos que trabalhava como doméstica em condição análoga
à escravidão em Fortaleza. Decisão é da quinta turma do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região (TRF5). A idosa trabalhava para a família durante
um período de 40 anos e não recebia salário.
O Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, do Conselho
Nacional de Justiça (2024) que estabelece que os juízes tomem decisão
diante de possível situação de trabalho escravo doméstico. "Mesmo quando
há uma relação de afeto entre as partes envolvidas, isso não altera a realidade
do contrato de trabalho e da prestação de serviços, especialmente em casos de
trabalho infantil doméstico".
(O
Povo - Online)
(Foto:
ILUSTRAÇÃO)
Deixe seu comentário
Postar um comentário